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MANUEL TAINHA (1922-2012)
20.06.2012
Manuel Tainha, referência maior da arquitectura portuguesa, faleceu dia 18 de Junho.


"Nasci e cresci junto ao Tejo. Num lugar onde o Tejo se encontra com o mar, caminho de ir para outros lugares. E voltar.
E daí que desde cedo eu tenha contraído a crença de que para além da linha do horizonte tudo estava a acontecer nesse momento e sem mim.
O crescimento é uma caminhada em direcção àquilo que antes de ser conhecido é vivido pelo instinto e pela fantasia. E o que o instinto e a fantasia me diziam então era isso mesmo: que para além da linha do mar estava um mundo distante e cheio de vida à minha espera. Um sentimento que com a adolescência se foi desgastando e desapossando por conta dos encontros bruscos com a vida, que nos põem à prova e vêm sempre quando a gente menos os espera.
Quando se é adolescente não se sabe o que fazer com a felicidade quando ela acontece. Para ele, o adolescente, a vida só é decifrável, só tem sentido quando vista através do véu da infelicidade. O estar feliz esconde a inquietante suspeita de que alguma coisa não está bem, de que algo de catastrófico vai acontecer para repor tudo no sítio. E com ela nasce o odioso sentimento de culpa sem objecto, que é tanto mais sofrido quando se nasce e cresce em solo católico, mesmo sem o ser.
Estudante: medíocre. Percurso relutante. Uma espécie de estado provisório, expectante, sem fim à vista.
Depois, o encontro assombroso com a Arquitectura. Este não foi propriamente um chamamento. Veio por obra do desenho, esse sim, o apelo de ver a vida por imagens e gostar de jogar com elas, criando mundos imaginários, que é outra maneira de aproximação ao real. E daí retirar grande satisfação.
Saber desenhar quer dizer precisamente o saber ver e representar as coisas nas suas relações de posição no espaço, nessa espécie de geometria da qualidade que é própria da arquitectura.

Diplomado em 1950, depois de um longo e atribulado percurso académico na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Por um lado, porque eu não sabia o que é que me estava a ser ensinado, que é esse o maior mal do estudante. Por outro lado, ressentia-me do sentido dogmático e opressivo do ensino.
Daí que me tenha metido pelos caminhos paralelos da aprendizagem do ofício, ou seja: caminhar com um pé num autodidactismo selvagem, feroz, sem eira nem beira, mas confiante em que tudo que viesse à rede era peixe; e o outro pé numa certa espécie de vadiagem ansiosa pelos lugares profissionais. À procura... de quê? Talvez daquilo que a Escola se recusava então a fazer, ou seja: antes de me dar respostas me ensinasse a fazer as perguntas necessárias.
Nesse percurso errático muitas coisas fui retendo, de todos os lados que não só da arquitectura. Numa multiplicidade de itinerários que se cruzavam, se afastavam, acabando por convergir no mesmo ponto. Uma espécie de caminho crítico para proveito próprio.
Só mais tarde é que veio a questão de saber como dar uso útil a tudo aquilo que retive. É aí, e nunca antes, julgo eu, que uma pessoa verdadeiramente começa a reconhecer-se como profissional. Resolutamente.
Entretanto, e sempre que podia, ia de salto para outras paragens. Não direi que a isso me movesse unicamente o amor pela arquitectura; pois hoje estou em crer que nessa errância solitária por outros lugares sobrevivia ainda muito dos antigos mitos e sonhos cultivados na infância e na adolescência. E quando mais saía mais os mitos se iam desvanecendo convertendo-se em conhecimento e carácter por força da experiência e da razão. Tudo isso até me dar conta de que afinal o lugar dos meus mitos de infância, que tudo pareciam abraçar, era aqui, era eu... e os meus afectos".

Manuel Tainha
Maio de 2002
(in Manuel Tainha 1954-2002. Lisboa: Asa, 2002, pp. 5-7)

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