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Direito à arquitectura: uma questão cultural
19.07.2017
Poderá um pequeno grupo de pessoas continuar indefinidamente a exercer uma profissão regulada fora dos seus princípios e regras deontológicas?
O universo do conhecimento é um universo em expansão, o que faz com que também seja crescente o número das especializações profissionais. Profissões que no passado não se distinguiam são hoje áreas perfeitamente identificadas, tanto na formação necessária como nas condições para o seu exercício.
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Existem em Portugal diversas Ordens e associações profissionais públicas que enquadram as profissões ligadas à arte de bem construir. Engenheiros, arquitectos, arquitectos paisagistas e engenheiros técnicos têm todos a sua estrutura profissional, com competências próprias e deveres deontológicos correspondentes.

Foi em 1973 que o decreto 73/73 introduziu as primeiras regras de “qualificação oficial a exigir aos técnicos responsáveis pelos projectos de obras”, a ser elaborados, consoante o tipo, por arquitectos, engenheiros civis, agentes técnicos de engenharia civil e de minas, construtores civis diplomados ou outros técnicos diplomados em Engenharia ou Arquitectura. Na falta de técnicos qualificados, admitia-se que fossem aceites projectos doutros técnicos e até de indivíduos não diplomados, mas a intervenção de arquitectos era obrigatória, sob proposta das câmaras, nos projectos de novos edifícios ou de alterações que envolvessem “modificações na sua expressão plástica”.

Em 1985, a União Europeia aprovou a primeira directiva sobre o reconhecimento mútuo de diplomas no domínio da arquitectura, invocando entre outras razões que “a criação arquitectónica, a qualidade das construções, a sua inserção harmoniosa no ambiente circundante, o respeito das paisagens naturais e urbanas bem como do património colectivo e privado são do interesse público”. No final desse ano, após a adesão de Portugal e Espanha, a directiva “arquitectos”, como ficou conhecida, incluiu a lista das formações em arquitectura reconhecidas em Portugal, inicialmente apenas com cursos de Arquitectura. Um mês depois, já em 1986, foram aditados à lista portuguesa quatro cursos de Engenharia.

A directiva “arquitectos” foi sendo alterada em função das novas adesões à União Europeia, de novos cursos de Arquitectura acrescentados à lista inicial de Portugal (mas mais nenhum de Engenharia) e da junção numa só directiva das profissões da área da saúde e da Arquitectura. Só foi transposta para a legislação portuguesa pela lei 9/2009, de 4 de Março, incluindo no anexo relativo aos “direitos adquiridos” os quatro cursos de Engenharia portugueses que estavam na directiva “arquitectos” desde 1986, com a condição de terem iniciado a sua formação até 1987/1988.

Mais tarde, no mesmo ano, revogou-se finalmente o decreto 73/73, não sem antes ter havido uma petição à AR, que mobilizei como presidente da Ordem dos Arquitectos, e uma iniciativa legislativa de cidadãos, a primeira em Portugal, em 2005. Mas foi só em 2009 que o ministro Mário Lino, ele próprio engenheiro, alcançou um acordo entre as organizações dos Engenheiros, Arquitectos, Arquitectos Paisagistas e Engenheiros Técnicos. Todos cederam um pouco e isso permitiu a aprovação da lei 31/2009, de 3 de Julho, que redefiniu a qualificação profissional dos autores de projecto e revogou o decreto 73/73. Foi criado um período transitório de cinco anos, prorrogado por mais três anos em 2015, que termina em Novembro deste ano.

Há uma aparente contradição entre o que foi fixado pela lei 9/2009, de Março, que transpôs a directiva, e a lei 31/2009, de Julho, que revogou o decreto 73/73. Pelo anexo da directiva, certos engenheiros daqueles quatro cursos podem invocar essa formação para procurar exercer arquitectura noutros países europeus, onde no entanto, é preciso dizê-lo, têm de cumprir os respectivos preceitos nacionais, que variam muito entre si. No nosso país e desde a lei 31/2009, todos os engenheiros que já o faziam foram autorizados a continuar a exercer arquitectura durante um período transitório, que está agora a chegar ao fim.

Já depois de várias alterações a ambas as leis, o próprio provedor de Justiça recomendou em 2015 à Assembleia da República que clarificasse a situação. Os engenheiros mobilizaram uma petição defendendo o seu ponto de vista. O PSD apresentou o projecto de lei 495/XIII. E os arquitectos apresentaram também as suas razões, através de uma petição acabada de entrar na AR.

A situação legal que se pretende corrigir existe desde 2009. Pode resolver-se alterando a versão actual da lei da qualificação profissional, como propõe o PSD, ou retirando aqueles quatro cursos de Engenharia do anexo da directiva, por coerência com a formação que actualmente é exigida para ser arquitecto no nosso país. O que não se pode é admitir que se exerça a profissão em Portugal sem estar inscrito na Ordem dos Arquitectos. Alguns engenheiros tê-lo-ão feito entretanto, cumprindo as regras de admissão impostas a todos os arquitectos. Se o Parlamento aprovar a proposta do PSD, cria-se uma nova e muito grave desigualdade: os engenheiros daqueles quatro cursos passarão a usufruir de uma incompreensível discriminação positiva em relação a todos os restantes cidadãos, nacionais ou estrangeiros, que só podem exercer arquitectura no nosso país se estiverem inscritos na Ordem (ou legalmente estabelecidos noutros Estados com formação habilitante reconhecida em Portugal). Poderá um pequeno grupo de pessoas continuar indefinidamente a exercer uma profissão regulada fora dos seus princípios e regras deontológicas? Achariam normal, por exemplo, que nos dias de hoje alguns cursos que nem são de Direito permitissem a entrada directa na advocacia sem passar pela respectiva Ordem?

A questão não é apenas corporativa, é cultural. A regulação deontológica é um progresso para evitar a lei da selva e defender o consumidor. Se acreditamos que a arquitectura é serviço público, como dizia a primeira directiva “arquitectos”, é nosso dever batermo-nos pela sua salvaguarda. A arquitectura portuguesa tem dado grandes alegrias ao país. Confio que a Assembleia da República saberá desfazer o dilema legal em que nos encontramos com bom senso e sem óbvios retrocessos no que foi uma verdadeira conquista de muitas gerações de arquitectos, e não só, pelo direito à arquitectura em Portugal.

Helena Roseta
Arquitecta
Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa

Jornal Público
18 de Julho de 2017



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