A (falsa) última aula do arquitecto-professor
23.01.2010
A questão da identidade nacional e o papel que a Arquitectura detém nela foi o tema escolhido por Alexandre Alves Costa para a sua "última aula" na FAUP.
Mas, apesar de jubilado, o arquitecto-professor promete continuar a leccionar e a reflectir sobre a arquitectura do país. Para já, vai tratar das fachadas e do rés-do-chão do Terreiro do Paço.

O anúncio tinha alguma pompa e dramatismo: a "última aula" do arquitecto Alexandre Alves Costa (Porto, 1939) seria realizada ao final da tarde de quinta-feira, na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), que ele também ajudara a criar. Mas ontem de manhã o "mestre" estava de novo, como habitualmente, no seu local de trabalho na FAUP, onde continuará a dirigir o seminário de Projecto de Tese para o Curso de Doutoramento, e também a coordenar as edições, tudo isto apesar de estar jubilado por ter ultrapassado os 70 anos.
A "última aula" do arquitecto-professor realizara-se, não sem algum simbolismo para o próprio, no Auditório Fernando Távora da faculdade projectada por Álvaro Siza com vista sobre o rio Douro - Távora fora o professor com quem Alves Costa iniciou, em 1972, como assistente, a sua carreira docente na Escola de Belas-Artes do Porto.
Anteontem, a FAUP conheceu, por isso, uma movimentação mais intensa do que é habitual - houve até jazz à hora do almoço, tocado por uma jovem formação da Escola de Jazz do Porto; mas essa era uma iniciativa das quintas-feiras promovida pela nova associação de estudantes...
Logo de manhã, Alexandre Alves Costa tomou café no bar, junto de colegas e alunos. Mostrava aquela tranquilidade e "postura de vida de longa duração", como diria depois Raquel Henriques da Silva, que é uma sua marca identitária e faz o seu charme "fatal", no Inverno sempre adornado pelo cachecol que se via na fotografia do anúncio da "última aula". Mesmo que no bolso (da pasta) carregasse já o texto de uma densa e elaborada reflexão sobre a identidade dos portugueses e o lugar da arquitectura nela. "Ao contrário do que é meu costume, vou ler um texto previamente escrito. Mas isto da "última aula" é agora mera liturgia académica", explicava ao P2, acrescentando que a formalidade já não contém o dramatismo de quando estava associada mesmo ao fim da carreira docente - agora, após um decreto do ministro do Ensino Superior José Mariano Gago, os professores continuam a poder exercer a sua profissão depois da jubilação, desde que para tal sejam convidados, claro.
Na quinta-feira de manhã, a principal preocupação de Alves Costa era mais de "ordem logística", principalmente a de saber quantos dos seus convidados iriam caber nas escassas 150 cadeiras do auditório - só os alunos do 1.º ano do curso preencheriam esses lugares, daí que ele lhes tivesse pedido que não comparecessem, e que mais tarde os compensaria com uma "aula extra". E saber também onde iria sentar o ministro e seu amigo Mariano Gago, o arquitecto Álvaro Siza, o reitor da Universidade do Porto e o seu padrinho Manoel de Oliveira - que, no final, recusaria ter tido alguma interferência na escolha do afilhado pela Arquitectura: "Foi simples vocação."
À hora prevista, a enchente esperada confirmou-se, com o Auditório Fernando Távora lotado até à exclusão de muitos interessados em assistir à lição-conferência. A Escola do Porto, com praticamente todos os seus representantes mais notórios e os seus alunos mais atentos (aqueles que conseguiram entrar), não faltou à chamada. Muita gente vinha também das universidades de Coimbra e do Minho (Guimarães). Alexandre Alves Costa continua a ser professor na primeira e teve responsabilidade na fundação do curso de Arquitectura em Guimarães.
"Pertenço a uma geração - talvez a última, não sei - em que nós tentámos conciliar a actividade profissional com o ensino", explicara ao P2 o arquitecto jubilado, notando que a Escola do Porto se caracterizou "fundamentalmente por ser uma escola de arquitectos, desde o tempo de Marques da Silva". Agora, "as exigências curriculares que a Universidade apresenta aos seus professores, com a multiplicação da produção teórica, de participação em congressos, dificulta cada vez mais essa conciliação", lamenta.
Nós somos da Póvoa
A sessão foi aberta pelo presidente do conselho directivo da FAUP, Francisco Barata, que começou por salientar "o contributo decisivo" que Alexandre Alves Costa deu para a escola ao longo de "um percurso académico, profissional e de cidadania de mérito reconhecido".
Logo a seguir, ficou a perceber-se que o título que Alves Costa escolhera para a sua "última aula" - "Nós somos da Póvoa do Varzim" - não configurava qualquer ironia ao recorte arquitectónico desta cidade litoral a norte do Porto. A citação era retirada de uma anedota referida pelo historiador José Mattoso - que Alexandre Alves Costa iria convocar diversas vezes ao longo da sua intervenção -, segundo a qual uns pescadores interpelados pelo rei D. Luís, que por eles passava no seu iate, sobre se eram portugueses, responderam: "Nós outros? Não, meu Senhor! Nós somos da Póvoa do Varzim"... Estava enunciada a questão da identidade: "Será que, neste momento difuso de integração na Europa, e sem cairmos em nacionalismos radicais, chamados por Eduardo Lourenço de benfiquismos patrióticos, queremos ou poderemos manter colectivamente alguma convicção identitária que nos garanta, objectiva e subjectivamente, a persistência de um Povo/Nação?", perguntou.
No alinhamento dos vários caminhos para uma possível resposta, o orador defendeu, na esteira de Pessoa, o princípio de que, para além da Língua, também a Arquitectura e as Cidades de língua portuguesa são fundamentais para a criação do sentimento de pertença a uma comunidade. Mas acrescentou que "o factor político continua a ser o mais determinante na formação de uma identidade nacional", recordando - seguindo ainda Mattoso - que Portugal, ao contrário do que aconteceu com países como a França, a Alemanha ou a Inglaterra, "não teve origem numa formação étnica, mas numa realidade político-administrativa" e numa "formação do tipo estatal", a que, com o decorrer dos séculos, a Arquitectura, as Cidades e a Paisagem viriam a dar a expressão de "uma complexa multiplicidade", como mostrou o trabalho desenvolvido por Fernando Távora. Mas uma expressão que, curiosamente, ganharia historicamente uma forma modelar e perene. "Temos defendido a hipótese de que a Arquitectura Portuguesa, contraditória e ecléctica, nos sobressaltos de uma história cheia de vicissitudes e num país dividido por valores culturais dificilmente unificáveis, encontrou nos territórios coloniais uma imagem clara que não só sintetiza, como aprofunda, as suas tendências estruturais, constitutivas de uma hipotética especificidade", enunciou o professor, que foi responsável pela constituição na FAUP da disciplina de História da Arquitectura Portuguesa, por impulso do próprio Távora.
Depois de regressar, uma vez mais, à questão da identidade - como ela tem vindo a ser equacionada pelo filósofo José Gil -, o orador terminou a sua "última aula" com um desafio: "A única maneira de remover o obstáculo da identidade é deixarmos de ser primeiro portugueses, para poder existir primeiro como homens. Deixar de procurar a identidade para que sejamos nós, diferentes, em devir de desassossego, com a nossa força própria" - ou o seu contrário, como dizia Fernando Távora.
"Reflexão muito certa"
Este modo, "perturbador", de deixar a questão em suspenso agradou à plateia, que aplaudiu efusivamente Alves Costa. Manoel de Oliveira viu na "aula" "uma reflexão muito profunda e muito certa" sobre o estado do país. Helena Roseta realçou o seu contributo para "ultrapassarmos a fase de grande descrença" que Portugal está a viver, concordando com o orador - a quem chamou "mestre" - em que "a questão da identidade é também uma questão política".
O ministro, amigo de Alexandre Alves Costa há 40 anos, ouviu dele mais uma súmula do incessante trabalho de pesquisa que "vem fazendo sobre a história da arquitectura dentro e fora de Portugal", e que espera possa ser divulgado para os estudantes e investigadores interessados.
Para além de continuar a leccionar nas faculdades do Porto e de Coimbra, Alexandre Alves Costa tem também agora em mãos, em parceria com Sérgio Fernandez, a recuperação das fachadas e a reorganização do rés-do-chão do Terreiro do Paço, em Lisboa, e o restauro da Sala dos Capelos na Universidade de Coimbra, onde lhe foi proposto terminar um projecto começado por Távora mas que ficou inacabado.
"Acho fantástico sermos dois arquitectos do Porto a intervir em dois dos símbolos mais importantes do poder em Portugal", exclama.

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